No penúltimo sábado fiz um jantar completo do livro da Heloisa para alguns familiares. Éramos 6 adultos e 3 crianças lindas. Escolhi uma receita trabalhosa, do capítulo "Sem pressa". Comecei no dia anterior: fui ao supermercado comprar a carne,o vinho e alguns temperos para deixar marinando, comprei os ingredientes da sobremesa pra fazer de noite. O cardápio era o seguinte:
Brasato ao barolo: uma maminha q fica marinando no vinho tinto e temperos por 12 horas e q deve ser assado por umas 3 horas além de mais 3 horas de repouso. A carne fica super macia e o molho é uma delícia. Apesar disso, na minha opinião, não valem a pena o trabalho e a demora. Sei lá, existem tantas carnes deliciosas e fáceis de preparar. E, maminha... não tem melhor do que na churrasqueira! Pra mim, a melhor coisa desse prato foi saber que não farei de novo, foi desmitificar essa coisa de receita requintada que deve ter o sabor dos deuses. Não tem sabor dos deuses coisa nenhuma. Todos nós gostamos da carne, até as crianças, pois ficou tão macia q era muito fácil pra elas comerem. Mas um bom bolo de carne moída à italiana, por exemplo, feito de maneira simples e rápida, agradaria a todos do mesmo jeito. Sem contar que o cheiro daquele molho da marinada, sendo trabalhado desde a véspera, foi me enjoando.
Radicchio e endívias caramelizados com aspargos: outra desmitificação: aspargos são gostosos mas nada comparado a uma boa abóbora ou a qualquer outro vegetal daqui da terrinha. Eu nunca tinha comido aspargos e vendo os programas de chefes internacionais que idolatram os tais aspargos, ficava imaginando que deviam ser o máximo de uma refeição. Que nada! Se vcs têm a mesma curiosidade que eu, se morrem de vontade de fazer aspargos e só não tiveram ainda a oportunidade mas aguardam ansiosamente o dia em que experimentarão, esqueçam os aspargos pra sempre! e qdo virem algum chefe importante fazendo aspargos na TV, tenham piedade dele. Sem contar que, como já me haviam alertado, eles deixam um cheiro horroroso na urina. Radicchio, por sua vez, tem gosto de escarola e endívia tem gosto de repolho (ou é o contrário??), só que mil vezes mais caro. Meu conselho: fiquemos com o bom e velho repolho, com a chicória, os legumes e verduras brasileiras que são uma delícia, baratinhos e dá pra comprar todo dia e em qualquer feira de bairro!
Polenta cremosa com creme de gorgonzola, nozes e alecrim: ah! essa sim valeu a pena! Talvez por causa da relação custo-trabalho-benefício. Ficou maravilhosa! Vou até passar a receita. Aproveitem o inverno e façam! Pra acompanhar, aconselho uma linguiça artesanal assada no forno ou somente um bife suculento.
Observação: na receita, a polenta é feita à moda antiga, ou seja, com o fubá comum, tendo, portanto, que cozinhar por 30 minutos. Porém, vou passar aqui a receita conforme eu to super acostumada, com o indispensável fubá pré-cozido da Yoki. Com esse, é só esperar engrossar, cozinhar mais uns 5 minutos apenas e pronto! Vamos lá:
para a polenta:
6 xícaras de água fria
2 xícaras de fubá pré-cozido Yoki
2 colheres (chá) de sal (eu sempre troco o sal por 2 caldos de galinha)
1 ramo pequeno de alecrim
40 g de mangeiga
Coloque todos os ingredientes na panela, acenda o fogo alto e mexa sem parar até engrossar. Quando engrossar e começar espirrar, baixe o fogo e deixe uns 5 minutos com a panela tampada. Retire o alecrim.
para o creme:
40 g de manteiga
2 ramos de alecrim
1 xícara de nozes grosseiramente picadas
200 g de queijo gorgonzola em pedacinhos
2 1/2 xícaras de creme de leite (de preferência fresco)
Aqueça a manteiga, o alecrim e as nozes numa frigideira, espere perfumar, junte o gorgonzola, deixe derreter, acrescente o creme de leite, retire do fogo qdo ferver, despeje sobre a polenta e sirva.
Bem, de sobremesa comemos o pudim caramelizado de maçã do post anterior. Ficou uma beleza, delicioso! Todos comeram, todos gostaram - menos as crianças. Por isso, da próxima vez, seguirei o conselho da Heloisa: fazer uma sobremesa a mais, de chocolate, para as crianças e chocólatras como meu marido. (As crianças, desapontadas com o pudim de maçã, comeram iogurte de adulto que eu tinha na geladeira, pobrezinhas.)
A noite foi muito agradável, com muito vinho, conversa e risadas. Fazia muito frio mas a comida e a bebida nos aqueceu bem. Comemos toda a comida, não sobrou nadinha. Esqueci-me de oferecer um café antes que eles fosse embora dirigindo, uma pena!
Demorei para escrever sobre essa experiência porque ela teve esse lado desapontador da desmistificação. Somente ontem, lendo as páginas "Comida" da Folha de S.Paulo que meu marido trouxe pra mim, inspirei-me a escrever. Ali, o texto "O Jabá, o filé e o sertanejo", escrito pelo chef Rodrigo Oliveira, me deixou feliz por legitimar essa impressão desapontadora que eu mesma não compreendia e da qual eu me envergonhava até mesmo de escrever. Vejam só que maravilha de texto:
O SERTÃO não é lugar de fartura ou abundância. Pelo menos não na maior parte do tempo. Esse talvez seja o motivo de o sertanejo dar tanto valor às coisas, especialmente às de comer. É tocante ver um deles falar de um cozido de feijão-verde com coentro fresco e manteiga de garrafa. Ou de um queijo coalho bem-feito, daqueles de ranger os dentes.
Falam com igual carinho e paixão dos cajus maduros ou dos umbus verdes, para se comer com uma pitada de sal e uma talagada de cana.
O que é certo é que se o alho fosse tão raro quanto as trufas, custaria tanto quanto elas. Para nós, o valor de um ingrediente está ligado à qualidade, não ao custo.
Por um grande período, as vísceras eram parte dos cortes nobres de um animal. Para nós, sertanejos, o sarapatel e a buchada, feitos com esmero, ainda são grandes iguarias.
Como é possível dizer o que vale mais: um punhado de maxixe ou um maço de aspargos, favas pernambucanas ou lentilhas francesas, barriga de porco ou carré de cordeiro?
Aproveitando a comparação dos últimos, enquanto o corte do suíno custa cerca de R$ 6, para o "French rack" cobra-se dez vezes mais.
Assim, parece mais lógico se debruçar sobre o carré; limpá-lo, apará-lo, prepará-lo com cuidado de cirurgião, enquanto simplesmente torramos a barriga de porco num tacho para fazer torresmos.
Mas se dedicarmos atenção e técnica a esse corte, podemos ter, por exemplo, uma pancetta confitada, como a de Jefferson Rueda, ou um torresmo como o do Mocotó.
No nosso caso, o processo todo leva - da marinada à última fritura, antes de ir à mesa - 18 horas.
O resultado é um torresmo de carne macia e suculenta, pele crocante, seguinha e pururucada.
Para isso, investimos um monte de trabalho nesses pedacinhos de carne, gordura e pele. Cada um deles é, ao final, uma pequena e dourada peça de artesanato.
Por isso, seja cozinhando jabá ou filé, em casa para os amigos ou no restaurante para centenas de pessoas, devemos ter o mesmo grau de cuidado e respeito. Afinal, o que seria do caviar sem o ovo?
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